domingo, 24 de fevereiro de 2013

Notes from the couch IV

O tempo não passa aqui. O relógio, em cima da estante, está parado. E tudo o mais parece estar parado também. As paredes brancas me olham. Encaram-me. Seus grandes olhos neutros quase me hipnotizam. As horas estão congeladas porque me perdi neste quarto. Não há nada a fazer ou dizer. 
O vento entra abruptamente pela janela. Não pede permissão. É agressivo. Sacode as cortinas, espalha pelo chão os papéis que estavam na escrivaninha e, gritando, trava uma batalha com o som que sai da vitrola. Os ritmos se misturam por um momento. Logo, só o sopro contundente do vento pode ser ouvido.
Não é só o vento que irrompe pela janela. A noite entra logo em seguida, ameniza a luminosidade de ausência. E a lua ilumina o parapeito da janela. Há tanto tempo que a lua não é minha. Há tantas estações. Nem sei se me perdoaria. Mas não é hoje que me preocupo com isso.
Deixo tudo entrar porque a minha negação não mudaria qualquer fato. E o quarto, branco e neutro, vai ficando cheio do que não é meu. E eu, que antes via cada coisa em seu lugar, começo a me sentir oca, quase nula - e me sentiria nula se a existência não me obrigasse a admitir que ela protagoniza.
Lembro de todas as definições de vazio que li e ouvi. Percebo que vazio não é ausência de algo, não é falta. Vazio é certeza de que havia algo. E isto é muito pior. Porque sentir um buraco por apenas sentir é suportável. Mas lidar com uma certeza de que aquele lugar era ocupado por determinada coisa... oh, isto sim é terrível. E saber que nada que se faça poderá mudar, que não se pode preencher com qualquer outra coisa, que só aquilo que estava lá pode saturar os vãos...
Nem pego a caneta na vã tentativa de explicar. Explicar o quê? Que o que está dentro não pode sair em forma de palavras? Que o que não está dentro é o que faz desfalecer? Tudo parece mais vivo do que eu. Até a lagartixa escondida atrás do armário. Até a roupa no varal do vizinho que balança sem parar.
Há vida, sobrevivência, existência e obrigação dentro deste quarto. Fecho os olhos e penso em aviões.