sábado, 27 de outubro de 2012

Polidez

E eu já não queria fechar a janela, a porta, o armário, a torneira da cozinha, que pingava incessantemente, os ruídos fazendo a trilha sonora da noite, que era acompanhada pelos barulhos dos carros da avenida. Sempre uma avenida. Saio de uma para cair em outra. Sinceramente? Não vejo problemas. Desde que haja um pôr do sol digno. E cervejas.
E eu já não queria fechar o coração. Quase ouvi ela me dizer isso, uma noite dessas, quase que sem som, sem cheiro de comida, sem gosto de bebida, sem manjericão. Sem rimas. Não sei por que na hora não disse que também não queria me fechar. Talvez não tenha dito porque no dia simplesmente não queria abrir, esse tal de coração, e fechado ele permanecia sem cortes, sem remendos, quase que completo. A não ser pela... pelo medo, diria você? Mas medo que morre não é medo. 
E não querendo fechar o coração eu abri a blusa azul, cheia de botões, assim, um por um, sem pressa que a sinaleira voltasse a se fechar e os carros arrancassem em uma esquina para parar uma quadra depois. Vi a ponte e outra vez um casal e garrafas boiando no rio. Não sei por que insisto em chamar uma água suja de rio. Vai ver é porque não posso chamar assim uma água limpa. Para o puro eu digo simplesmente: tempestade. Não porque cai do céu, mas porque cai do peito.
E abrindo o peito eu obtive novamente o que sempre neguei. E vi os aviões, estes que não apareciam nos meus olhos há meses, cruzarem a lua, a escuridão, umas estrelas que eu não consegui inventar na noite passada e nem nesta. Por isso é que abro outra cerveja com o meu abridor novo, preto com prateado, que fica na primeira gaveta do armário da cozinha. Não porque com isso vou me sentir melhor, mas porque estou me sentindo melhor. Uma quase paz de uma quase sexta-feira, mesmo que hoje seja sábado e no céu a lua tenha se desfeito, se feito o vazio que eu escolhi jantar.