segunda-feira, 13 de agosto de 2012

"Por trás da palavra há o caos. Cada palavra é uma listra, um traço, mas não há e nunca haverá traços suficientes para fazer a trama." Miller

Foi só escrever que estava muito quente, que a chuva não aparecia e que as botas de chuva estavam intocadas há mais de um mês. Foi só escrever sobre a ausência do frio para que tudo ruísse de madrugada, enquanto o corpo se agitava na cama e os olhos encaravam a escuridão. Qualquer coisa como "insônia", mas não ousaria mencionar esta palavra novamente, mesmo que fosse em pensamento, mesmo que sentisse a repetição de fase com um teor de apatia muito mais alto do que antigamente. Não ousaria se ver no espelho e perceber as enormes olheiras. Não ousaria sentir o ardor nos olhos, ao abri-los e fechá-los, e cogitar que isto era resultado de uma noite não dormida.
O café queimava na garganta e depois no estômago. Duas, três xícaras na mesma manhã. Como se isso pudesse fazê-la acordar de dentro de si mesma, como se isso pudesse fazer com que cuspisse toda a madrugada assassinada. Mas continuava ali, dentro dela, o movimento lento dos ponteiros do relógio, ainda que parados. Mas continuava ali, a chuva que começara a cair, ainda que durante o dia o sol tivesse aparecido. Mas continuava ali, os pés gelados e dormentes pela falta de meias, de calor, de consciência. Mas tudo continuava ali, para que lembrasse que as próximas madrugadas também seriam amordaçadas e passariam pelos mesmos punhais, ainda que tentasse fingir que nada havia acontecido.