segunda-feira, 6 de agosto de 2012

"Com a madrugada úmida veio o dobrar dos sinos e ao longo das fibras dos meus nervos os sinos tocaram incessantemente e seus badalos bateram em meu coração e retiniram com maldade de ferro." Miller

Ontem à tarde decidi dar corda no relógio que fica em cima na cômoda. Então tirei o pó dele, ajustei as horas e pensei que poderia fazer um teste para ele servir de despertador, já que o meu atual não anda colaborando e eu tenho chegado atrasada no trabalho. De tarde não consegui ficar no quarto. O tic tac era absurdamente alto e me impedia de ler Miller com concentração, inclusive em voz alta. Por isso coloquei-o na estante da sala e, antes de dormir, devolvi-o ao quarto, só que mais distante da cama para que o barulho não soasse tão ensurdecedor.
Deitei-me mais cedo do que de costume, a realidade alertando para uma segunda ainda mais fria e nublada, porque à noite tudo voltaria ao normal. E vai voltar. Pensei que se agosto não estava com cara de agosto, era uma questão de cenário. Só que de nada adiantou apagar a luz e tentar dormir. O tic tac parecia aumentar de volume a cada segundo, às vezes parecia compor uma música, outras queria interromper o meu sono que ainda não havia começado e inserir um pesadelo. Ou dois. Ou três. Ou quantos a minha mente pudesse suportar, já que o principal objetivo era estar sempre no limite.
Mas dormi, talvez por causa da canção. Dormi e acordei dez vezes durante a noite, o que foi pior do que se eu tivesse tido sonhos ruins. Só que não acordei com o despertador tocando, o único motivo pelo qual deixei o relógio dourado fazer tic tac de madrugada. Ele parou 15 minutos antes de despertar. Se parecesse agosto, eu teria ficado irritada, pulado o café da manhã e esquecido o livro em cima da escrivaninha, para não perder o ônibus.
Talvez a realidade esteja tentando me enganar, fazendo com este mês pareça qualquer outro, apesar de estar mandando os sinais corretos de que tudo voltará como era antes, principalmente a loucura - que eu dei como assassinada há mais de 30 dias. E a prova disso é que o sol amanheceu junto com o dia. O óbvio seria que a chuva nascesse. Só assim o cenário seria realmente real. O óbvio também seria que eu escrevesse isso tudo na terceira pessoa do singular. Mas acho que junto com a loucura eu assassinei essa possibilidade de escrita. Ou me assassinei.