domingo, 3 de junho de 2012

"O dia chegou sem nevoeiro. As noites eram noites e nada mais. Os dias não mudavam de um para outro, o sol dourado batendo forte e depois morrendo." Fante

Ingenuidade pensar que as botas de chuva seriam suficientes para enfrentar o temporal e que a capa de chuva amarela e o guarda-chuva vermelho poderiam ficar secando na garagem. Ingenuidade pensar que as botas de chuva aguentariam o peso do cansaço no corpo miúdo, encharcado de desdobramentos e realidades. Ingenuidade pensar que as botas de chuva não machucariam os pés que há tanto tempo andam por andar em um caminho distorcido de motivos, de razões, de fatos claros.
Ela viu o dia cinza quando abriu a janela, às 7h da manhã. Não havia vento, barulho de ônibus e gritos de crianças indo para a escola. O céu disse que a calma seria assassinada, mas mandava o aviso. Disse para a menina não sair sem casaco, que o café deveria ser substituído pelo vinho, porque andando trôpega ela conseguiria passar pelo mês que seria embriagado.
Do lado de fora, algumas gotas de chuva. O temporal havia deixado um tapete de folhas secas mas molhadas. E soube que a estação estava bem longe de terminar e que, por mais insuportável que pudesse ser, continuaria engolindo o pássaro que insistia em cantar. No silêncio da manhã ela lembrou que já não era mais maio e que as palavras não se disporiam em papéis, páginas virtuais ou guardanapos.
Maio terminou enforcado. E enforcado ele tirava a respiração da menina. A respiração anulada abafava as palavras, que voltavam a repousar no fundo do peito, naquele lugar úmido, quente, um acúmulo de sentimentos. Calada era melhor. Calada ela ouvia os passos da loucura chegando, a loucura que há um mês e meio havia desistido de ficar próxima. Calada ela ouvia o murmúrio dos pensamentos, que não mais se organizavam em frases pontuadas, mas se misturavam e tentavam continuar com o caos.
Maio terminou enforcado. E enforcado, nos últimos minutos, ele não deixou que junho nascesse. Fez com que fosse continuação desse outono hipócrita, dessas chuvas densas e cobertas de relâmpagos que morriam com a mesma facilidade que a tentativa. Nos primeiros minutos, a cama que estava vazia ficou quente, a insônia sentada conversava com a loucura. As duas ignorando a garota. Ignorada ela se sentia ainda mais tonta dos infernos, infernos que gelavam, infernos febris que destruíam e nunca construíam.
Maio terminou enforcado e enforcou junho antes mesmo que ele pudesse nascer. E junho, nos primeiros minutos, parecia agosto por estar enforcado. E se parecia agosto, o ano teria dois meses iguais, duas loucuras sedentas, tantas insônias quanto fosse possível socar no quarto frio, o desespero ancorado e que nunca se afogava, mesmo quando a angústia transbordava no quarto.
Maio terminou com quatro livros do Abreu e junho começou com os mesmos quatro. Os contos relidos e, estes sim, afogados na tristeza. Mas afogados eles apenas ficavam mais fortes, mais presentes na mente, mais pesados. E ela afundada na cama, os olhos vendo a madrugada passar, a primeira luz entrar pelo quarto, o celular que pelo menos não tocava porque estava desligado.
Parada na janela, naquela manhã, quis escrever a falta de sentido, enquanto via o dia vazio, silenciado e com a morbidade de junho. Mas notou que os dedos estavam rígidos e o corpo estava tão indisposto quanto tudo o que havia colecionado e que agora se transformava na própria identidade.