sexta-feira, 13 de abril de 2012

Prosa de uma paz incolor

Todos os mares e todas as embarcações e todas as pedras brancas, pretas, achatadas de dor, apenas uma onda quebrando na areia escura, uma canga vermelha suja, dois maços de cigarro vazios encharcados, um pé de chinelo sendo levado lentamente pela água.
Todas as pessoas distantes demais, seus gritos, suas gargalhadas sendo abafadas pelo silêncio da praia, que em hipótese alguma fica sem ruído. Uma pele clara na sombra da árvore que deixa uma luz passar desapercebida, dois becks, duas bocas fechadas, uma sacola de supermercado com dez latas vazias de cerveja. Algas mortas ou vivas protegendo o mar dos pés tamanho 40. Algas mortas ou vivas afastando os pés tamanho 36.
Meio dia ou talvez duas da tarde ou quatro. As nuvens escondem o sol. O vento derruba uma folha pequena em cima do pé direito com as unhas pintadas, mal-feitas. Uma chuva que não cai de um céu limpo, azul, puro. Nesse céu, aviões nunca passam.
Todos os mundos do mundo resolvem ficar estáticos, quase mudos, e deletam as cores. Querem ser preenchidos novamente, mas a lama escorre pelas bordas e ninguém se importa. Nem todos abrem as janelas em busca de um ar um pouco mais fresco. Nem todos querem. E as fotografias vão amarelando em cima da estante.
O mar não reclama. Apenas vai cobrindo mais e mais a areia em uma demonstração de mágoa. Nunca angustiado, pobre coitado. Nunca com outra trilha sonora senão aquela que ele mesmo compõe em dias de tempestade. E quando vejo lá está ela, completamente lúcida, completamente embriagada de álcool e loucura. E os pés sentem a textura das algas e não se importam e a água vai cobrindo o joelho o os lábios sorriem, mostram os dentes amarelos, por causa do cigarro, para toda aquela imensidão de água que termina com uma montanha e, acima dela, uma neblina paciente esperando o outono, que apenas começou, transformar-se em inverno.
Os dois estão calmos, se encaram, se olham com empatia, a única empatia possível para ele. A água não ultrapassa o joelho dela e a areia e as algas vão envolvendo os pés.