quarta-feira, 4 de abril de 2012

Jogada na cadeira amarela, perto da avenida, observando a parada vazia ficar cheia de gente. Esperando com a calma de quem já não espera, os olhos secos mas lustros, os lábios rachados, as mãos muito confortáveis para abrir a bolsa e retirar a manteiga de cacau do estojo vermelho. As luzes dos postes parecem monstros e ela brinca, sem saber que está neste jogo, de inventar um mundo ainda mais macabro do que as atuais noites gordas e cheias de alfinetes. É a necessidade de ficar calada, de não ver ninguém, de não ser vista que a faz ficar de costas para o movimento.
Os carros passam a mais de 100 quilômetros por hora e os cabelos, não penteados há dois dias, dançam no ar como se a trilha sonora fosse Beethoven. É Chico que toca no ipod. E a variação das músicas não faz o estômago se contorcer. O líquido gelado e sem espuma desce pela garganta e deixa o interior confuso com a fome. Ela é assassinada tantas e tantas vezes que nem se importa. Apenas renasce, sem brilho, e volta a ser afogada. Com ela vão as frases que se constroem muito antes de serem transpostas para o papel. É por isso que a agenda amarela não é aberta e as mãos permanecem confortáveis em cima da barriga. Uma hora se passa, duas, duas e meia. O movimento dos ônibus aumenta e as mesas ao redor vão ficando cheias de pessoas que falam alto, cruzam as pernas e cospem para o ar da noite a fumaça do cigarro.
A lua está lá, ainda, não podendo ser confundida com uma lâmpada. Ela não sorri. É como se tivesse perdido a graça, tivesse perdido a certeza de ainda poder ter alguma garantia, qualquer que fosse. De repente vira apenas um contorno, um desenho de criança, e não chora por ser classificada assim. Os olhos dela também estão secos e se fecham para a noite. Fica estática, no meio do escuro, achando que não é notada.
Buzinas, sinaleiras que demoram a mudar de cor, mulheres que correm no meio dos carros. Continua sentada. Os pés escorregam com delicadeza da cadeira e se encaixam na sapatilha. As mãos são descruzadas, deixando quente a superfície da barriga, e dividem o trabalho de colocar as duas bolsas pesadas no ombro. As pernas se movem, sem que a ordem do cérebro seja dada, e param no meio fio, caindo na rua. Metade dos pés permanece no chão e a outra metade fica no ar. Eles vacilam. O peso do corpo é impulsionado para frente. Um carro passa tão rápido que a música do ipod é anulada pelo ruído dos pneus. Uma fração de segundo separa a rapidez do carro passando na rua dos pés lentos da menina escorregando para a rua. Ela não nota. Pensa em cacos de vidro, folhas em branco que nunca são preenchidas, amores platônicos destruídos pelo silêncio que os sustenta e o movimento do mar, tão semelhante com o da avenida.