domingo, 29 de abril de 2012

Barbas Tortas, 27 de abril de 2012
Querida Lissa,

hoje quis te escrever sobre tempestades. O dia amanheceu cinza, uma garoa caindo nos meus cabelos limpos e mal-penteados. Escutei “A Outra” enquanto caminhava até o trabalho, o guarda-chuva fechado na mão e a água cumprindo o seu papel de me encharcar. O termômetro da esquina marcava 9ºC, 27/04/2012, 8:22. Tentei lembrar da última vez que havia chegado no horário em uma sexta-feira. E não lembrei. Bebi duas xícaras de café. Ele estava doce demais. Limpei a minha mesa, coloquei papéis fora, escaneei dois desenhos que fiz para você e, finalmente, abri esta página para te falar sobre as tais tempestades. E então lembrei do que tu me falaste sobre a inexistência destas, o que logo em seguida fez com eu acrescentasse: se elas existissem, passariam. E não é que passaram por uns dias?
Mas agora sei que esta é a nossa sina, que esse frio não congela o que nos assola, que o calor não derrete as incertezas, que o açúcar que fica no fundo da xícara de chá de morango da tarde não adoça os dias. E não tenho escrito, você sabe. E sei que tu também não andas dispondo as palavras em frases curtas e bem pontuadas, não da mesma forma que fazia uma vez. Mas, em compensação, esta foi a primeira semana do semestre que fiquei longe do bar. É claro que a gripe foi a grande responsável, inclusive anestesiou o sono, a fome, as dores. Veja que esta última sempre está no plural. E é claro que hoje é sexta-feira e o bar não passará impune. Talvez um vinho para aquecer o estômago vazio, a falta de princípios, a sobriedade.
Não vou te falar sobre tempestades, mas queria te contar que as folhas secas não andam caindo. Nada me dá mais prazer do que o barulho que elas fazem quando são esmagadas pelos meus pés. É com delicadeza que faço isso. Mas até agora, nada. Nada de folhas secas. Apenas uma nostalgia que não faz qualquer referência à tempestade. É uma neutralidade que fica engasgada na garganta. E então tenho tossido uma, duas, três vezes por minuto para que ela seja engolida, para que desça com calma, sem machucar, e envolva os sentimentos congelados, todos os começos que eu não ando inventando e terminando com a remessa de fins que parece não se esgotar.
O que você me disse sobre “parece que se escreve o que se tem dentro de si” fez com que eu parasse para pensar. Se não ando escrevendo, estou vazia ou estou tão cheia que nada pode ser transposto para o papel sem que jorre uma confusão de insignificâncias? Entendo o teu cansaço. Se juntássemos ambos, seria demasiado peso para carregarmos juntas ou, compartilhando, arrumaríamos força, sabe-se lá em que lugar, para continuar ‘indo em frente’?

Com carinho,
senhora M. Batata