terça-feira, 30 de agosto de 2011

Melodia do último domingo de agosto

É quase de manhã, abri a última cerveja e os primeiros pingos de chuva começam a cair, lá fora. Os trovões me confortam. Escrevo na primeira pessoa porque há sentimentos que não podem ser vistos de outro plano e o nosso amor não cabe em uma caixinha de música. Hoje passei ao lado daquele morro em que sempre vamos ver o pôr do sol. Aquele que, quando estamos lá no alto, nos sentimos aliviados por ficar longe de toda civilização. Havia uma barraca e um sofá, e eu imaginei a expressão que seu rosto assumiria se visse a cena. Tudo estava bem debaixo daquela árvore bonita, na entrada, onde eu sempre acabo caindo. Foi estranho pensar que aquilo pertence a alguém que não nós. E por alguns míseros minutos eu desejei que a terra, o mato, as árvores e até as pedras, que me fazem escorregar, fossem nossos. Sinto que apenas nós somos dignos de andar, sentar e deitar naquele espaço. Depois veio uma sensação de impotência.
É que, apesar de tudo, sei que não iremos morar aqui. E descubro isso toda vez que fico algum tempo com você, nesse seu mundo grande e seletivo demais. Acontece que o meu all star branco não vai aguentar a poluição e você já está cansado das mesmas ruas e do metrô e de tudo por aí. Mas a verdade, a verdade escrita e pensada, é que quando estamos do seu lado eu tenho consciência que não posso voltar, que o meu mundo já está pequeno e que chove muito por aqui. Lembra que em todas as manhãs, quando acordo no seu quarto, pergunto se está chovendo e você responde sorrindo que são apenas as fábricas e os aviões? A minha mente está adaptada aos mesmos sons. E não quero que tudo o mais, irônico e rotineiro, seja normal para ela.
Não estou definindo onde vamos morar, apesar de ter escolhido, mentalmente, o conteúdo da geladeira e o papel de parede do nosso quarto. Quero te dizer que preciso, independentemente do lugar, de noites como aquela em que você preparou a janta enquanto eu assistia Law&Order. E depois nós comemos lasanha, azeitona e cubos de queijo colonial com azeite de oliva, à luz de velas, afogando a noite no vinho enjoativo da pizzaria que fica na esquina da sua casa. E preciso sempre de finais de tarde os que você me encontra na saída do trabalho, compramos folhados, cervejas e caminhamos até em casa, enquanto o dia, lentamente, e com todos os tons de rosa, se transforma em noite.
Vivemos em dois mundos completamente diferentes. E tentamos, no pouco tempo em que ficamos juntos, fazer com que eles sejam um só. Mas sabemos que estas duas cidades sempre vão impedir. E enquanto os quatro anos não se passam, eu assisto de perto o abismo que separa as nossas vidas individuais, não tentando te explicar o que você não entende da minha própria confusão de menina e da dor de mulher. E você fica com a sua tristeza, que é grande o suficiente para me fazer chorar. Tentamos não pensar que o ideal, o ideal mesmo, seria darmos as mãos, virar as costas e fugir. Vivemos a mercê disso, engolindo a tentação de desistência, ignorando a saudade que assume mil faces. Confiamos na sorte que nunca nos prometeu fidelidade, mas está ali, ao lado, junto ao fio da minha realidade que quase se parte quando o vento de inverno sopra.