terça-feira, 28 de junho de 2011

Querida,

entenda que não posso mais te esperar. As minhas condições físicas estão tão limitadas quanto a possibilidade de ficar para sempre com essa falta de meio-termo. Te esperei no portão todas as noites do outono. Até naquelas mais frias, quando eu chegava da faculdade e trocava baixinho algumas palavras com a lua, ficava atenta se a sua sombra surgiria de algum lugar. Você não sorriu para mim, nem mesmo enquanto eu pisava em folhas secas indo para o trabalho. Você não passou as madrugadas insones ao pé da cama, nem mesmo me instigou a gritar, espernear ou ir contra tudo. Aceitei. Você não estava aqui.
Agora o inverno chegou e a calçada é mais suja e o vento não deixa apenas o meu rosto dormente, as minhas mãos e os meus pés passam a não existir depois de um tempo expostos na madrugada. Achei que você soubesse como a sua presença aqui, nesta casa barulhenta, fosse me dar paz, pelo menos um pouco dessa paz sem cor e sem textura que eu falo de vez em quando. Escrevi demais, sem o seu auxílio, e o desgaste psicológico também não te trouxe. Você não veio, o máximo que chegou perto de mim foi ao final da rua azul que tem aqueles postes de luz que mal iluminam. E estou esgotada de palavras. Não posso e não sei escrever com o vazio como as minhas personagens. Você entende esta diferença? Te vejo como um ser real e não como um fantasma, um fantasma que deteriora as pessoas, como a maioria pensa sobre você. Eu até que te amei nessa espera. Até queria te manter aquecida neste inverno se, de súbito, você batesse de leve na porta do meu quarto, deixasse as botas de chuva do lado de fora e desse um beijo na minha face úmida.
É tarde. Cansei de te esperar. E só fico triste com essa desistência. Você bem sabe que a minha inspiração vinha quando você estava ao meu lado. Não posso e não sei mais digitar frases bonitas e coerentes. Não quero e não devo criar personagens. Você me dava a certeza de que eles não sairiam das linhas e fizessem parte da minha vida. Não tenho certeza nenhuma, agora. Prefiro mencionar e dissertar sobre a realidade que, apesar de me embalar nas noites difíceis, continua se enfiltrando nos sonhos. Você era uma guardiã fiel. Fico tentando entender por que é que, de repente, a minha presença deixou de significar. Penso se foram os meus princípios ou a minha deslealdade com as pessoas. Engraçado que sempre te vi como um ser inclinado a fazer o mau, mas, ao mesmo tempo, comprometido com quem você gosta. Talvez você não me ame mais. Tudo bem. Só estou te escrevendo para dizer que não se aproxime mais de mim no próximo mês nem até o final do verão. Não vou abrir a porta para você. Adeus, loucura. Vou suprir essa falta. Espero que você não tenha rivais ou resolva se vingar tomando o meu inconsciente. O erro foi seu.

p.s: desculpe o meu vocabulário pobre. A sua presença é que me dá o repertório adequado.

Com um certo carinho que vai se perdendo no ar gelado,
M.B.