sábado, 11 de junho de 2011

Gotejando tristeza dos olhos dela. Não sei que outra definição poderia ser usada. Ela sentada na mesa, com mais outras quinze pessoas. Tirando a vez em que nos esbarramos no centro, eu nunca tinha visto ela tão de perto. Na casa dos setenta, penso eu, depois de encarar aquelas rugas. Mas elas são o que menos se destacam. Aquele olhar transbordando os fatos tristes, as lembranças nostálgicas, uma espécie de solidão acompanhada. Demorei a conseguir aceitar isso.
Ela bebendo uma taça (grande) de vinho, as pernas, embaixo da mesa, cruzadas. O rosto todo maquiado dava a impressão de que ela tentava esconder algo naquelas tintas. A voz não passava de um sussurro descompassado, lento e fino. A construção das frases é o argumento mais conveniente por qual foi aceita na Academia Brasileira de Letras. Eu com a minha cerveja, só sabendo discursar qualquer coisa, de forma adequada, depois de, no mínimo, cinco cervejas. E ela... ela ali com toda aquela significância, sentada longe de mim -para eu não correr qualquer risco-, com as suas unhas pintadas de cor escura e os seus movimentos delicados.
Tudo o que eu conseguia imaginar era ela, em casa, sentada junto a mesa que fica no segundo andar, perto da janela enorme. Carros e pessoas passando. O cenário cinza remoendo os dias amarelos. Ela escrevendo ainda com a caneta preta no papel branco. Com ela não tem essa de amassar e jogar fora o que borrou a folha. Não há exclusão. Escreveu, marcou. Ponto. Quantas lágrimas não correram por aquele rosto enrugado quando o marido se fora? Quantos sorrisos falsos não se abriram em dias que ela precisava ser superficial? E de repente ela ali, na minha frente, pedindo que a janta se repetisse. E logo depois dizendo que as suas colunas não contribuíam de nenhuma forma com o jornal.
Há três anos eu abria o jornal só para ler o que ela escrevia. Roubava a folha da escola e colava na minha agenda. Será que ela sabe que eu sou aquela garotinha que mandava e-mail falando sobre a dificuldade de 'tentar ser'? Que venham as outras jantas, então. Eu vou aprender a beber vinho caro.