sábado, 27 de março de 2010

Falava, falava e falava. Tudo o que saía de sua boca, porém, não passava de um silêncio estendido que não pretendia ter um fim. Não tinha importância. Se eram as palavras ou o silêncio que preenchiam os dias que diferença podia fazer? Um é o reflexo do outro mesmo que todo mundo diga que são antônimos.
Passava as madrugadas de sábado assim, talvez falando para si e desejando que ninguém pudesse entender as suas palavras. O castelo de vidro durava até o nascer do sol. Depois do nascer do sol os dias eram uma incoerência absoluta, tinham gosto de poeira, talvez fossem mesmo poeira.
Meses. Anos. Séculos. Não sei quanto tempo ela permaneceu ali. Não sei quanto tempo sua vida foi remota e sem gosto. Não sei por quanto tempo as cores não ultrapassaram o limite do cinza.
Encontrei-a no mesmo silêncio que me falava nas cartas. Costurada e remendada, uma perfeita boneca de pano. Sua boca não era pintada de vermelho, era apenas um contorno simples e preto. Sem roupa, sem cabelo, sem alma.

Levei-a para o bar. Sentei-a num daqueles bancos velhos e ela permaneceu. Bebi cinco cervejas e chorei a tristeza de nós duas. Chorei a tristeza do seu corpo vazio igualmente ao meu. Chorei a melancolia que nos envolvia como uma bolha. Chorei as cores apagadas. Chorei sem lágrimas.
Peguei o batom vermelho que havia na minha bolsa e passei naquele contorno que se entendia por boca. A boneca de pano imediatamente esfarelou-se. No fim não sabia quem era ela e quem era eu, qual era a tristeza dela e qual era a minha. A boneca de pano era o meu reflexo.


"Eu estava triste, tristeza da verdadeira, por uma vez na vida, por todo mundo, por mim, por ela, por todos os homens.
É talvez isso que a gente procura pela vida afora, só isso, a maior tristeza possível para nos tornarmos nós mesmos antes de morrer." Céline