terça-feira, 15 de março de 2016

Notas de SP VI

(01/02/16)
Lá estava ela: as pernas fininhas, fininhas... a pele morena, o vestidinho azul com bolinhas brancas quase cobrindo as sandálias de plástico, rosa. Ia dando pequenos pulinhos ao lado da mãe, no meio da multidão que pegava o trem das 19h. De vez em quando, os dedos longos e também finos tocavam o ombro da mãe. A mulher se virava para a criança, uma apatia doce nos olhos, uma rigidez contida nos lábios secos. 
A cabeça da menina reluzia. O sol de fim de tarde projetava umas sombras amareladas na careca e evidenciavam um pequeno tufo de cabelos perto do pescoço que escapara da máquina do cabeleireiro. Talvez recém tivesse saído do hospital, onde lhe teriam cortado as madeixas? Talvez tenha raspado o cabelo porque tivera vontade? 
Os pulinhos da menina se alternavam com gritinhos agudos, quase animados. Mãe e filha não notavam os olhares para o corpinho da menina, tão miúdo, tão magrinho e tão animado naquele fim de tarde quente, no meio daquelas pessoas cansadas.

Impossível não lembrar de M. A mesma estatura, a mesma pele morena, a mesma alegria. Um corpo que pula retido é um corpo que diz: eu não quero morrer. Um corpo que toca o ombro da mãe com delicadeza é um corpo que diz: eu não quero te perder. 
 Não olhei os olhos, que imaginei serem escuros. Não olhei os olhos porque seria demais. Porque seria M. demais se eles realmente fossem escuros. E porque não queria olhar pros olhos da menina e pensar no mesmo destino que M teve. 
Sim, desejei enquanto descia a escada pra plataforma, que ela tenha cortado o cabelo apenas por causa do calor.