segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Estado de exaltação



Ainda é doce aquilo que não tem sabor, que deixa a boca seca e as costas doloridas. Mesmo no meio do caos, é doce. Não pode ser salgado aquilo que enche os olhos de água. Fico tentando me convencer que não pode. Não pode ser salgada a loucura conflitante, a loucura letárgica em uma sociedade acostumada a olhar os próprios sapatos cheios de merda. 

Dia desses saí pelas ruas sem medo de me perder, mas certa de que me perderia. É sempre estranha essa cidade que não me pertence - e que eu não faço o menor esforço para me tornar parte dela. Não porque a odeio, mas porque a sua indiferença não pode penetrar meu peito. A cada esquina, a cada calçada mal pavimentada, a cada olhar raivoso ou apático, a certeza de que a certeza nunca vai vir. Por nunca vir, por sempre ser essa espera sem uma consumação, é que tudo segue doce.
É tão fácil olhar pra dentro e ver esse poço sem fundo. E enchê-lo, pintá-lo da forma como cada um acha melhor. Quando me forço a sair, a ver, a sentir, a respirar esse ar pesado, percebo então todas as cascas quebradas, distorcidas, esperando uma mão delicada que consiga juntar os cacos e colá-los de uma forma que eles não voltem a quebrar outra vez.
Somos frágeis em nossas individualidades, mas quando todas as cascas cacos se juntam, parece que se forma uma camada grossa e extensa, impossível de se dissolver, de pura maldade. Como se os olhos não pudessem mais ver aquele que anseia por um um copo de cachaça. Ou como se fosse errado que aquele simplesmente anseia por copo de cachaça.
Digo que é doce porque não quero matar o único fio que ainda pende, o único fio que segura as pontas. É porque, se todos se perdessem, quem sabe conseguiriam sair de suas próprias indiferenças coletivas. Se somos frágeis em nossas individualidades, que sejamos sempre isso, e não essa maldade que entope a garganta e não sai em forma de vômito, mas de palavras.

Ainda é doce esse vazio, esse espaço que precisa ser preenchido com algo mais leve do que temos observado pelas janelas dos ônibus, dos carros parados no meio do trânsito. Se continuar a ser esse cinza, que pelo menos seja um cinza adocicado, sem esse cheiro químico que sentimos enquanto vemos o trem chegar pelo trilho - torcendo para que ninguém, num interim de sanidade, pule na frente dele.

"Pergunto-me se você consegue compreender os sentidos que não posso explicar. (...) No mínimo, se você for capaz de me entender, peço paciência; se não for capaz, peço perdão." Ginsberg para Kerouac