sábado, 15 de novembro de 2014

Notes from the couch XXXIV

Vinte e sete de outubro

Sinto uma espécie de nostalgia, sono, felicidade, paz e tristeza. Meu futuro soa como uma caixa cheia de ovos. Sinto que quebrarei boa parte deles daqui para frente. Ao mesmo tempo, sinto e lembro do que passou. Construí dezenas de sentimentos  e os vivi intensamente. Iludi-me e decepcionei-me. Fui e não fui. De algum modo, tudo se acomoda no meu peito. É uma ferida prestes a cicatrizar, mas que nunca cicatriza.
Amo esse passado que inventei. Ele é infinitamente mais superior e intenso a tudo o que já vivi. Fui a minha própria criadora, e lido com o presente desta mesma forma. Preciso moldar o presente. Preciso viver e pintar o presente. Se eu não fizer, tudo mais irá se desfazer em mim.
Poderia ter sido mais? Questiono-me. Vivi tudo a seu tempo ou o atropelei. Tenho receio em perceber que acelerei o passo — sempre andando cada vez mais rápido para quebrar os ovos.
Sobrou-me uma notável indiferença, que pinto em minha face, mas não em meu coração. Foi você quem fez isso comigo ou caí em minhas próprias armadilhas? Cheguei a um ponto em que não é possível distinguir o que aconteceu do que foi inventado. 
Você acha que estou te obrigando a viver estes tais personagens? Que quero que você também sustente as mentiras — não, não posso chamá-las assim, não são mentiras, são invenções; há uma notável diferença nesses termos.
Chego no bar e vejo de imediato o gato. É como estar em casa depois de anos. Gostaria de te encontrar animado, falante, vívido! Mas sempre houve uma certa morbidez em ti — ou talvez seja a minha presença? Nunca saberei. Não tenho como saber como és sem mim.
Parece verão. Uma noite calma e agoniante. Feliz. Por que estou feliz? Nem ao menos sinto vontade de conversar. Preciso ficar inventando as palavras. E tropeço constantemente nelas. Gostaria de ser mais sincera dessa vez. Não que eu tenha sido outra coisa nas outras vezes.

Quatorze de novembro

Hoje gravamos nós em nós mesmos. Um lembrete do nosso amor feito em tinta permanente. Gravamos na pele aquele frio do nosso um ano do que a sociedade chama de namoro. Gravamos a garrafa do vinho Santa Helena, a lua, aquele pôr do sol colorido e gélido. Gravamos até o mendigo com a sua barraca e a taça mágica. Hoje gravamos na pele o que está registrado no peito há quase sete anos.

Quinze de novembro

Amanhã você vai embora e eu não mais poderei beijar os seus olhos secos. Bem, não é amanhã que você vai. É segunda. Mas dizer que é amanhã torna a frase mais bonita e romântica. E de qualquer forma você irá. Vai me deixar sozinha no meio, exatamente no meio, de novembro. Vai deixar plantada a angústia no meio dessa nada. Uma ponte entre o passado e o futuro — sem ser presente. Novembro é a espera. A imaterialização do que ainda não aconteceu — e talvez não aconteça.
Deveria eu colocar flores na sacada e esperar pelo verão? Deveria eu fazer desse vazio a organização do futuro constante, que rasga meu peito dilatado? Tirar o lixo, embalar os livros, guardar os quadros, organizar as roupas em malas, vender a geladeira, pintar de branco as paredes, devolver o violão emprestado, fechar as janelas. Procurar novamente uma outra casa. Uma outra vida. Colocar fora as garrafas de cerveja, as cartas, as promessas, os silêncios. Guardar as falas, os sonhos e os avisos. Vestir a roupa de balé e as sapatilhas.
Dançar pela cidade morta de sábado, de gente, de paz. Gritar um grito que é só meu, de uma dor delineadamente inventada. Sorrir a felicidade que comemora sete anos no dia 24. Sentar por dois meses e, sem dormir, escrever os dois livros que pesam em minha mente, Tocar esta música que eu criei — e que ninguém pode escutar. Fechar os olhos e esperar por esse amanhã que nunca chega.

Esse amanhã que eu peço, que eu rezo. E que exatamente por isso não chegará.