quinta-feira, 20 de março de 2014

Notes from the couch XXVIII

Não vou mais com o coração na mão. Vou com o copo de cerveja. E já não me incomodam os as, os hojes, os ontens, as chuvas e os nasceres do mesmo sol. Minto se digo que espero. Não espero. Nem me importo com a insônia ou com os pesadelos - quando durmo. Apago tudo da mente quando o despertador toca e eu ligo o rádio. Toca música clássica. E toca silêncio. Um silêncio que também toca meu peito. E ando na chuva nas primeiras horas da manhã como se não andasse, como se meus pés fossem leves e deslizassem na calçada. 
Não vou mais com as unhas roídas. Sou minha e você não me tira esse pertencer. Você nem ao menos sabe como é esse estado de pertencimento. Você que nunca tem, que é sempre dos outros, nunca de si próprio. E te fiz ser o que você é: terceira pessoa. E por ordem de importância você ocupa essa posição. Não coloco mais ponto de exclamação no teu nome nem caixa alta na primeira letra dele. 
Não sei se sou ainda você, mas a verdade é que não dói deixar de saber com certeza se há ou não alguma certeza. Já disse: vou com o copo de cerveja. Às vezes há a lua. Mas já não me dói quando ela cai. Não a observo bordejar no céu. Ainda estou pra dentro. E estando dentro te coloco, com carinho, para o lado de fora.

É importante que se diga: não vou mais com o coração na mão, mas ainda assim vou com o coração. 

E todo dia preciso me repetir isso: não vou mais com o coração na mão, mas ainda assim vou com o coração. Assim, se ao menos não for verdade, a repetição fará ser.