quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Chuva



Olho para ela e ela me olha de volta. Seus olhos eram maiores há alguns anos. Eram mais claros também. Olham-me pouco esses olhos que agora são pequenos. Não há audácia neles. Tampouco arrogância. Evitam me fitar durante muito tempo. Se permanecem me encarando, perdem-se nesse espaço entre a alma e a retina.
Ela fecha os olhos. Abre-os lentamente e fixa um ponto no chão. Percebo também que a maquiagem está borrada, mas é tão leve o borrão que pode ser confundido com as olheiras. Sei que não dorme, aliás. Talvez seja por isso que não queira me encarar. Sei que, quando dorme, dorme mal. Que acorda no meio da noite achando que ele está na cama, que não foi embora,  que vai acordar e encontrar o café pronto. 
Mas não há café. E as manhãs são quase engolidas para as tardes nascerem calmas. Não quer perder a calma. Só quer perder o medo. Mas tentando não perder o medo acaba perdendo outras coisas. Como o sono. E perdendo o sono só ganha mais vazio. Mais tempo a ser preenchido durante a madrugada. É diferente o tempo da madrugada. Ele passa lentamente e atividade alguma pode suprir com rapidez o andar lento dos ponteiros do relógio.
Olho para ela e ela já não me olha mais de volta. Não quer conversar. Nunca quer conversar. Prefere o silêncio. Prefere olhar para dentro de si mesma porque já não consegue mais olhar para fora.