segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Querida Natasha,

já não sinto mais vontade de nada. Acho que foi o assalto, em setembro. Ou o câncer do meu vô. A última vontade que tive foi a de matar os assaltantes. Depois disso, nada. É como se eu flutuasse em um enorme vazio. Não vejo o seu fim. Nem o começo. Estou exatamente no meio. Às vezes movo a mão para pegar uma cerveja na geladeira. Raramente os lábios. Prefiro não falar. Quando falo, ninguém entende o que digo. Nem eu mesma. Nunca digo o que penso ou sinto. Minha boca me trai. Prefiro digitar. Uma tecla depois da outra. Minhas mãos nunca erram. Nem mesmo depois de algumas cervejas. Sou capaz de escrever sem parar quando bebo. Também não entendo as pessoas. Elas movem os lábios e tudo o que escuto é 'blábláblá'. Gostaria de entendê-las. Sofro com isso. Faço uma força absurda para compreendê-las. Minha cabeça chega a doer. Mas tudo volta ao princípio: nada. 
Foi um começo de ano estranho. E acho que o ano todo será assim. De repente alguém me disse para ir embora. E eu nunca tinha pensado seriamente nessa possibilidade. Agora penso. Penso em ir embora. Mais do que isso: penso em sempre ir embora, nunca ficar em um lugar, nunca me relacionar com as mesmas pessoas. Decidi que agora sei que sempre vou sofrer por não entender. E que a única solução é sempre ir embora. Não como se eu estivesse fugindo, mas para evitar os desgastes de mim mesma. E o desgaste dos outros. Ele disse que tudo bem sempre ir embora. Também me disse que quer ser nada. Não lhe disse que seremos felizes sendo nada juntos. Mas ele sabe disso. 
Tudo o que preciso é escrever meu trabalho de conclusão da faculdade. E aprender inglês. E terminar o livro do Miller. Estou fazendo isso. Me convenço de que estou fazendo isso, mas não estou. Tudo bem, minto para mim. Não há problema algum nisso. Desde que seja só para mim. Ninguém vê nos meus olhos que minto para mim. Nem eu. Mas vejo que eles estão diferentes. Mais fechados. Como se sentissem dor. Não sentem. Eles sentem o nada. Eles enxergam o nada. 

Como você está? Faz tempo que não me escreve. Tenho te escrito cartas mentais. As palavras se ajeitam melhor na mente do que aqui.

Com amor,
T.