terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Querida Natasha,

gostaria de te escrever essa música que estou ouvindo agora. É triste e dançante. Jazz. Agora eu tenho um toca-discos. Ou uma vitrola. Ainda não pesquisei a diferença. Deixo sempre na estação que toca música clássica e jazz. Vou comprar lps do Chico Buarque. No último domingo vi quase todos à venda em uma feirinha, em um parque aqui perto.
Lentamente construo uma fuga dentro deste quarto. Um forte. Nada daqui parece pertencer à realidade atual. Compro vinhos (agora só bebo seco), leio livros tão antigos que se despedaçam em minhas mãos, às vezes escrevo, cozinho ou escolho a pintura. Olho cada vez menos pela janela, eu que coloquei a escrivaninha justamente na frente dela para que sempre pudesse ver o que se passa lá fora. E cada vez mais ouço as sirenes de ambulâncias. De um lado para o outro, todo o tempo. Elas me enlouquecem. 
Contruí um forte no quarto. Dentro de mim também. Construí um forte e não deixo as minhas ilusões (posso chamar assim?) entrarem. Estou ficando seca. E tudo me seca mais do que eu mesma. Acho que o mundo está ficando pequeno demais para mim. Então fico no quarto tentando fazer com que essas quatro paredes sejam mais confortáveis do que lá fora.
Uma vez por semana definho. Acho que hoje é um destes dias. Ou estou começando a me acostumar com a rotina. Nada me é mais insuportável, inconscientemente, do que a repetição. Deixo de ver quando vejo as mesmas coisas todos os dias. Mas não deixo de sentir quando sinto as mesmas coisas todos os dias.
Há momentos em que apenas a tempestade me acalma. Faz tanto tempo que não ouço o barulho da chuva - e do caos - que sinto como se estivessem me enganando.

Com carinho,
Thaís