sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Nunca mais pintaria os lábios de vermelho novamente, não depois daquela quinta-feira em que o barulho do trem ficara em sua mente durante os pesadelos. Deixaria os lábios secos, apenas tendo algum contato com a umidade e com a cor quando levasse a cerveja à boca. E só assim poderia escrever, só quando se sentisse livre o bastante para colocar em uma página em branco o que não incomodava a mente. Nada mais incomodava. E como descrever o que não perturba?
Talvez também nunca mais sentasse no meio do quarto para abrir dez livros e ler apenas os trechos sublinhados. Ainda mais agora que não tem quarto. Que não tem livros. Que o eco dos sonhos ruis se escondeu. E então não precisa ficar se distraindo o tempo todo, como se cair para dentro de si pudesse ser o maior erro cometido. Pode ouvir o sino das 18h e não correr para pegar o ônibus. Pode fechar os olhos e borrar a tintura. Pode nunca mais passar batom. Nunca. Pode pensar em nunca mais sujar os lábios com nada. Quem sabe deixando-os puros possa sentir a pureza dentro de si. Quem sabe possa.
Quem sabe nunca mais voltasse a fumar no meio das árvores, no meio da noite. Quem sabe bebesse todas as cervejas da geladeira só para poder sentir a ressaca no dia seguinte e depois ter a oportunidade de matá-la. Quem sabe subisse e descesse durante a tarde todas as escadas entre o térreo e o 301. Ou 302.  

"Não quero possuir coisa alguma até que saiba que encontrei o lugar onde eu e as coisas pertencemos. Ainda não tenho certeza de onde fica esse lugar." Capote