domingo, 14 de outubro de 2012

Dia 14

O bebê chora o tempo todo no apartamento ao lado. Às vezes tem música infantil, mas na maioria do tempo, quando deixo a janela da sala aberta, eu sinto cheiro de alguma coisa. Geralmente é cheiro de maconha ou de pipoca. Gostaria de pegar as cervejas na geladeira e escrever. Porque parece que só assim as coisas fluem. Mas não vou me levantar daqui. Enquanto preencho esta imitação de folha, penso em um nome para mim. Nunca fui boa com nomes. Queria algum nome bonito que começasse com A. Penso em Amélia, mas já usei ele em outro conto.
Só o sino da igreja abafa o choro do neném. Acho que é um menino, mas provavelmente nunca saberei. Quando olho para baixo, da janela do quarto, vejo alguns brinquedos de criança e um chão desbotado. Essa cidade é assim... desbotada. Mas os sons estão por toda a parte. Gritam tanto nos meus ouvidos que ultrapassam o limite da definição e se transformam em silêncio, um silêncio quase triste que eu não consigo descrever. Um silêncio que me espera na parada de ônibus, às onze da noite ou meia noite.
Talvez o meu nome pudesse ser Joana. Antigamente eu colocava Maria na frente e me fazia assim. Mas hoje não consigo me ater na superficialidade. Acho que escuto muito Beethoven. Acho que vivo tanto no presente que esqueço que um dia tive um passado. Preciso comprar fita para a máquina de escrever. Qual era o nome que eu usava para assinar as cartas que eu criava quando era pequena? Não consigo lembrar. Só lembro que elas eram longas, que os papéis eram feios e que eu trancava a porta do quarto para a minha mãe não entrar.
Nunca teve bebê nas minhas histórias. Nem Porto Alegre. Muito menos cervejas. Mas os nomes inventados estavam lá. E as personagens. E a janela do quarto aberta. Eu sempre fui sonâmbula, afinal. Uma vez a minha mãe acordou no meio da noite e eu estava sentada na janela. Hoje não posso correr esse risco. O quarto fica no terceiro andar e não tem grade de proteção. Também não tenho um nome. Sequer tive um apelido na minha infância. Não conheço ninguém sem apelido.
Depois que o sino bateu o bebê parou de chorar. É mais fácil escolher um nome de homem do que de mulher, mas nunca consigo ser homem nas minhas histórias. Acho Ludovic bonito. Nancy também é. Mas vou guardar eles para os filhos que eu não vou ter. E para as histórias que eu não vou escrever. Porque sempre tenho algum enredo magnífico que não posso colocar no papel. Coloco só estes sem começo, meio e fim. Estes em que não tenho um nome, um sexo e um desfecho. Parece que vou estragar as vidas se estas saírem do plano consciente para uma realidade imprevisível de pontos e caixas altas, baixas, conjugações erradas e prantos da criança no apartamento ao lado.