sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Querida Natasha,

Chico toca há tanto tempo no quarto que às vezes converso com ele, o que me dá o direito de xingá-lo por algumas músicas terríveis. Parece cada vez mais apertado, o quarto. Parece cada vez mais escasso, o ar. Parece cada vez mais presente, a loucura. Faz exatamente uma semana que guardei o meu quinto e maior livro, na caixa marrom, que fica no local mais alto da prateleira, bem acima da cama. Enterro as palavras lá. Já não há mais espaço para qualquer outro maço de papéis. Chamo-os assim, pois 'manuscrito' só seria o nome adequado se um dia eu os fizesse sair dali, o que não é o caso. São eles que deixam o quarto pequeno.
Pergunto-me o que farei com os próximos. E se eles virão na mesma quantidade que estes. Apesar de enterrados e empoeirados, ainda inflamam o peito, os olhos, as mãos. Soam tão inocentes, ali, parados, bem acima dos sonhos, em um lugar onde, intocados, parecem parte de uma realidade que não é minha, que não quero. Mas há tanto de mim neles. E tão pouco deles em mim - o mim de agora, o mim caos. Não tive qualquer escolha na hora em que houve a sintetização dos fatos. Pareço não ter qualquer poder quando o assunto sou eu. Acho que, sem querer, transformei-me em uma destas personagens que invento e finjo não estar relacionada.
E talvez seja por isso que tremi quando você mencionou a palavra 'fatos'. Não porque tenho medo da exposição - como já tive-, mas porque me habituei a esconder as coisas de mim mesma, a transformar o caos diário em uma subjetividade que quase soa impossível. Acho que, inconscientemente, invento mentiras e tento acreditar nelas. São as palavras que me escondem, que me esmagam, que tiram o meu sono, que pesam na caixa marrom.
Quando deito para dormir, já quase na metade da madrugada, o sono se dissipa, a insônia ocupa a outra metade da cama, e sinto falta de ar. São tantos fatos guardados, promessas e sentimentos, mesmo que em frases com a pontuação incorreta, mesmo que em palavras escritas em vários tons de rosa e azul - hoje eu odeio rosa. Volta e meia me pergunto o porquê de colocar tudo em páginas brancas. Não folheio os 'maços' antigos. Se fiz isso duas vezes foi muito. Parece que não quero ter contato com todas aquelas outras pessoas que um dia fui, parece que não quero resgatar o que agora está quieto. Parece que não quero deixar esse quebra-cabeça pronto, juntar os cacos, colocar as cenas, restituir a história. Uma história que talvez não seja minha.
E tudo isto é tão incoerente. Porque não vejo outra alternativa a não ser escrever, compreende? Mas sei que tudo será repousado em algum outro lugar, senão a caixa marrom, que está cheia, em alguma outra. O que mais tenho no quarto são caixas vazias. E devo te dizer que também tenho cadernos guardados e agendas. Estes em uma (grande) gaveta. Pergunto-me se mais alguém, além de mim, guarda essas coisas, nesta mesma quantidade. Talvez você. Talvez várias pessoas que passam por aqui - e eu nem sei quem são. E a pergunta seguinte é se isso tudo pesa nos outros também. De alguma forma, todos parecem conhecer a calma melhor do que eu.
Bem, como você pode perceber, a minha maior dificuldade é falar sobre fatos. Mas eu prometo que irei melhorar.

Com carinho,
Thaís