domingo, 26 de agosto de 2012

Bartas Tortas, 26 de agosto de 2012

Querida Lissa,
eu te disse que viriam outras tempestades, que se aquela não voltasse, ah, sim, viriam outras. É claro que naquela noite em que te escrevi não havia cogitado a possibilidade de que a mesma tempestade voltasse a ocupar o lugar e que, além dela, surgisse uma nova, ainda pior do que esta que se repete há um ano e meio.
Essa nova tempestade veio com uma frase que nunca me soou tão distante. Apenas uma frase, Lissa. Faz uma semana que ela me disse que ele está com tumor, mas foi só na sexta que confirmaram que era maligno, logo depois que acordei atrasada e pouco antes de perder o ônibus. Não pensei que pudesse ser pior do que havia sido até então. Oh, é claro que não pensei, tão afogada que estava nas minhas próprias chuvas, tão cansada que estava de remar que disse ‘tudo bem’ quando você contou-me, em sua última carta, que havia deixado eles de lado também.
Foi mais do que um tapa de agosto, porque foi aí que senti o mês, compreende? Até então o que eu tive dele? Dias de sol, calor e a variação entre anestesia e apatia, com paradas no bar para não soar tão catastrófico. E depois que essa outra chegou percebi que não haveria remendos, que os cacos ficariam para sempre no chão do barco, que eu nada faria para restaurar os fatos e os dias.
Passei a sexta como se tudo dentro de mim tivesse quebrado com o som daquela voz, que não chegou até mim com olhos lacrimejantes e um corpo, mas por meio de uma ligação a cobrar, sem muito tempo para falar, sem muito tempo para me ouvir gritar ao telefone que eu sabia desde domingo, que ninguém tinha feito nada. E ontem choveu. Entende que não havia chovido ainda neste mês? Que agosto estava me testando? E que agora ele debocha de mim? Entende que eu nada posso fazer, porque esta tempestade chega até mim de um modo indireto, de forma que eu não posso detestá-la, fugir, porque de nada vai adiantar.
É nele, Lissa, é nele que vai doer mais do que em mim. Só que ainda não sabe, coitado. Ninguém teve coragem de dizer. E me pergunto se alguém terá, pois ultimamente ele tem sorrido mais do que nos outros dias. E hoje mesmo cheguei lá, depois de colocar minhas galochas e pegar um guarda-chuva para enfrentar o mau tempo, e o vi com o novo gato no colo, o sorriso amarelo, uma espécie de paz nos seus olhos. E nos meus a vontade de sair chorando de lá, de dizer que não é justo, que podia ser em mim, que podia doer mil vezes mais, mas que não nele, entende?
Mas não posso fazer nada, exceto te dizer que demorarei a voltar a remar, que todas as possibilidades se mantêm afastadas, nas poças d’água, afogadas, ou quase. E que eu tento olhar para ele, oitenta e três anos sentados naquele sofá, a cachorra e o gato ao lado, porque todos querem ficar perto dele.

Aguento estas duas tempestades. Você ficaria orgulhosa de mim se pudesse ver como tenho aguentado, sabe, como tenho agido lucidamente, apesar de ouvir minha mãe dizer que estou enlouquecendo.

Com amor e saudade,
senhora M. Batata