quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Barbas Tortas, 31 de julho de 2012

Querida Lissa,
parou de chover lá fora. As ruas não têm aquele cheiro específico de molhado, por causa do frio, mas não sinto as mãos geladas. Estou quase bêbada. E digo “quase” porque raramente admito que estou. Eu sei, deveria ter me concentrado no projeto. Mas ainda estou com o Word aberto, selecionando os textos, os textos que fazem parte de um passado que me recuso a lembrar. Fico sentimentalista quando bebo. E todos os textos parecem delatar a minha alma, mesmo que muitas histórias minhas sejam atribuídas a personagens criadas.
Faz tanto tempo que não te escrevo. Sinto vergonha. Queria poder te dar alguma desculpa melhor do que “os dias estão corridos” ou “o trabalho tem tomado todo o meu tempo”, mas a verdade é que me recusei a escrever durante semanas – até meses. Tenho noção do tempo porque foi em maio que as coisas começaram a mudar para mim. Escrevi diversos começos para diversas cartas. Não te enviei nada.
Parece que só agora consigo enxergar as coisas. Parece que só agora consigo pensar sem deixar que meus olhos lacrimejem. Preciso falar sobre a tempestade. Você sabe que ela é a nossa sina. E então começo assim: nunca sofri tanto como no último ano. Talvez essa frase seja redundante para ti, logo tu que acompanhaste meus e-mails desesperados, minha agonia que nunca se desfazia, meus delírios que não passavam. Eu pensava que, uma hora ou outra, eles haviam de passar. Esperei. Sentei e esperei. E enquanto esperava fui tomada pela chuva, pelo céu gritando, pelo clarão, pelo barco de papel sendo levado pela tempestade, nossos braços cada vez mais cansados de lutar com os remos.
Oh, como custou este período! Tantas noites de sono em frente a este maldito computador. Tantas cartas que eu nunca enviei. Tantos pesadelos que não sumiam da minha mente. Tantas esperas intermináveis. Tantas dúvidas, medos, neuroses, prantos em vão. E você que ouviu tantas vezes, talvez não compreendendo a minha realidade. Eu sequer tinha noção dela. E até hoje deduzo não ter ideia do que se passava, realmente.
Foi em alguma noite de maio que tudo mudou, enquanto o elevador descia do terceiro andar para o primeiro. Por duas semanas – talvez três- esqueci tudo que me afligia, optei por barrar certas atitudes, não agir por impulso, tentar resgatar a razão em meio aos destroços. Funcionou, sabe. Funcionou para no final de maio tudo voltar, não com a mesma força, mas pior. Em junho experimentei uma coisa quase absurda: o vazio. Não era a felicidade do começo de maio nem a agonia do final dele. Era apenas o vácuo, o mês que separava julho do caos de maio. E julho sempre foi tão doce! No vazio, consegui colocar tudo no lugar, pensar, olhar para a minha própria vida sem que o sentimentalismo me prendesse.
A conclusão a que cheguei não era difícil de se ter chegado. Mas veja bem, na situação em que me encontrava, tudo era impossível. Descobri, por fim, que o problema não era específico, compreende? Descobri que faz parte do meu ser desenvolver um drama e, quando ele não existe, eu o crio, inconscientemente. Este drama passou. Se voltará, não sei. Mas sei que virão outros, em forma de tempestade. Virão. Sei que sim. Mas não largarei os remos. A batalha tem sido muito mais interna do que com o mau tempo.

Engulo os últimos minutos de julho. Agosto é sempre o pior mês do ano.É bom poder escrever para você.

Com carinho,
senhora M. Batata