terça-feira, 17 de abril de 2012

237 aposiopeses

… e pensou no quanto as meias pretas não faziam sentido, sempre rasgando, e nas reticências que se acumulavam no peito, nos olhos, nas unhas roídas, nas mesmas ruas que passava todas as manhãs, no mesmo horário, exceto quando acordava muito atrasada ou não dormia. E as malditas insônias, dispostas em madrugadas frias ou quentes ou amenas, tanto faz, sempre ali no quarto, na sala, no corredor escuro, na cozinha grande, na fresta da janela que não deixava a lua ser vista, nunca vista, há tanto tempo sumida da escuridão que ela pensa que os aviões são estrelas e caem em sinal de luto pela lua. E todos os infernos se contorcendo na mesma hora dentro de si, como se tivessem algum direito de viver, de reclamar, de impor autoridade. E desaba também nas terças, com gosto de quintas, de sextas, de finais de semana melancólicos de ressaca, de lucidez que não acha a loucura e procura procura encarando a decepção, em frente ao espelho, de enfrentar o rosto pálido e saber que todos aqueles mundos são seus e não saber o que fazer com eles a não ser tentar vomitar. E que tentativa estúpida esta. Como se vomitando a matéria ela não ficasse ali, em frente a xícara suja, em frente ao tênis limpo, impregnando com a falta de odor, com as frases que jorram mesmo que de uma inconsciência composta de fragmentos expulsos da consciência.

"Então está o amanhecer e uma fria solidão na qual cabem a alegria, as recordações, você e talvez tantos outros." Cortázar