segunda-feira, 19 de março de 2012

Ela levantou a cabeça para ver as mulheres que caminhavam em cima de sapatos de salto bem limpos, vestidas com roupas coladas demais, brilhantes e curtas, os olhos carregados de maquilagem escura, quase imperceptíveis. Ela, do alto dos seus quatro anos, vestida com saia rosa de bailarina, meia-calça branca e camiseta de borboleta, colocou atrás da orelha um dos cachos escuros que caiu na bochecha direita, encarou os meus olhos, abriu as mãos em cima das minhas e deixou cair os confetes prateados que havia recolhido do chão. Nada disse. Depois sentou-se no chão, sem se preocupar se a meia-calça ficaria encardida, e ficou observando os homens em seus ternos, com as gravatas opacas, um copo de whisky na mão.
As meninas da mesma idade que ela corriam de um lado para o outro, soltavam gargalhadas estridentes e se empurravam. Volta e meia alguma passava correndo, se abaixava e beijava o rosto moreno dela. A atitude resultava em um sorriso doce. Não sei quanto tempo ela ficou sentada no chão observando as pessoas. Não sei quanto tempo eu fiquei no sofá, com os confetes na mão, observando ela observar as pessoas. Talvez a pequena não conseguisse pensar que mundo era aquele, que agitação era aquela que dominava todos, mesmo que fingissem elegância, levassem o copo de vidro delicadamente até a boca e conversassem baixo, interceptando uma risada suave entre um e outro olhar.
Era como se ela sentisse sem entender, sentisse por não entender. E a medida em que cresce é empurrada para um mundo que nunca foi dela, que nunca devia ser dela. Refugia-se em histórias de leões, fadas, princesas. Refugia-se sem saber que está tentando fugir, sem saber que precisa fugir, que não vai conseguir fugir.

"Quero dormir e sou um horrível sino ressoando." Cortázar