quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Nota sobre o verão

-Hoje vai ser calor de novo.
Sem bom dia pela manhã. Apenas a vizinha falando alto, ao lado, o cachorro da outra vizinha latindo, o despertador tocando sem parar, longe demais da mão para que ele pudesse apertar soneca.
-E que calor, ein!
Era a mãe falando sozinha na frente de casa, saindo para o trabalho. Sempre reclamando. Ora era o frio ora era o calor, mas sempre havia algo de que se queixar. Lembrou que havia esquecido o guarda-chuva no trabalho. Pelo menos não estava chovendo, pensou. Talvez o primeiro sinal de que o dia seria bom. Ou quente. Preferia chuva, mas ultimamente até o ar continuava quente quando o temporal se armava. As primeiras gotas caíam como se tivessem saído de um chuveiro programado para banhos de inverno. Levantou lentamente da cama, primeiro os pés tocando o chão, depois os olhos se abrindo, em seguida descolou os lábios que, mesmo secos, estavam grudados. Passou pelo espelho do banheiro e viu a barba por fazer. Que se dane ela, disse com a voz rouca.
Bebeu um copo de água na xícara trincada há dois anos. Colocou a calça social amassada, a camisa branca, o par de meias velho e o sapato que não era engraxado há muito tempo. Parou na frente do espelho e novamente viu a barba por fazer. Não parecia que tinha 27. Só não lhe davam 40 porque andava magro demais, as costelas visíveis, as costas um pouco mais corcundas, as pernas finais. Ouviu o ônibus passando na frente de casa. Outra vez havia perdido. Chegaria atrasado novamente, os olhares se voltando para ele assim que entrasse pela porta do terceiro andar, um bilhete do chefe em cima da mesa.
Não, hoje não, murmurou. Caminhou duas quadras, o sol das 8 da manhã já fazendo o couro cabeludo arder, sentou em uma cadeira de metal, um pé enferrujado. Bar do Bolacha era o nome da placa. Pediu uma cerveja e depois outra. As duas estavam mornas e ficavam cada vez mais mornas conforme o termômetro subia. O mendigo que vivia no albergue passou pela rua. Junto com ele passou também a vontade do homem de ser daquele jeito, andando sem ter para onde ir, falando sem ter o que falar, dormindo sem ter que acordar. O estômago roncou. Sentiu o líquido subindo, fechou os olhos, se inclinou para o lado e vomitou. Apenas espuma. O suor já escorria pela testa. Pagou as duas cervejas e voltou para casa. Não pensou o que falaria para a mãe quando ela chegasse. Não pensou o que o chefe lhe falaria antes de demiti-lo. Maldito verão, praguejou.