terça-feira, 5 de julho de 2011

Olhou os olhos sem cor, apenas dois pequenos círculos sem graça, e notou a face branca, opaca, com umas sardas tortas querendo aparecer no sol. Era isso que fazia com que a tristeza invadisse as pálpebras e ali permanecesse. Os cabelos, lisos e gelados, não cobriam as orelhas miúdas e brancas. E questionou a sua realidade. E pensou que o menino moreno era mentira e que seu sorriso quase forçado também era invenção. As cores do céu também não tinham verdades, e as palavras, sempre pela metade, não queriam dizer nada, apenas soluçavam que o amor por vezes era sonhado e não havia corpo para ele. Só suspiro, suspiro inventado. Tudo de mentira, pensou. Apenas o pijama gasto deixando o pescoço à mostra. Longo e liso. A pele pura, ali, descoberta. E o frio queimando. Frio queima mais do que fogo. Tudo falso, acumulado dentro do armário de madeira escura que era a única coisa sólida do quarto. Sem passado nem presente nem futuro. Tudo era quase.

Quase um sopro gelado que percorre a nuca e vai devagar para o ouvido. Quase um pedido de clemência, uma voz rouca e baixa falando de cores. Quase um achar esperado, uma calma programada e um alívio soluçado. Quase um sorriso triste, mãos geladas nas cobertas quentes, uma espera que virou contenção e palavras que perderam o rumo.

Quase um desabafo.
Quase vidros estraçalhados.
Quase uma melancolia de sábado.
Quase um olhar calado.
Quase garrafas quebradas.
Quase amor de domingo.
Quase sonhos partidos.

Quase.