quinta-feira, 7 de julho de 2011

Bêbada as coisas vinham, como um apetite grande demais para ser saciado lentamente. As palavras assumiam faces, implantavam cabelos, tinham pernas e braços distorcidos, gargalhavam no mesmo ritmo que o vento soprava e balançava os galhos das árvores. Bêbada e com a temperatura negativa, na rua, surgiam esperanças e neve e algumas expectativas que caíam como flocos na calçada gasta. Mas tudo durava apenas até a escuridão ser pisada com o primeiro sinal do dia. Bêbada, com a temperatura negativa e com as bochechas quentes e os dedos gelados, os sinos soavam como uma melodia doce demais para não ser enjoada. Mas os ruídos hipnotizavam a mente e os nervos assumiam vida, uma vida incapaz de ser destruída.
Levantava de madrugada e vomitava os sonhos, ora pesados ora com uma dose de culpa impossível de ser deletada totalmente. Nunca bons, nunca com cores, nunca com fatos leves para sorrirem. É que havia esquecido de escrever com o batom rosa, no espelho antigo e quadrado do quarto, que nem sempre a felicidade vem com o sol. Às vezes é a tempestade que protagoniza as danças de valsa.
Bêbada e infantil. Ela nesse estado que ela cantava as palavras perfeitas e gritava, em volta da lareira, futuros que não podiam se tecer sozinhos e nasceres de sol tão gastos que traduziam uma beleza quase suspeita: pontos de luminosidade no vazio azul aveludado do céu. História para criança ansiar. Mas estava na espessura fina do espelho, entre a realidade e a ilusão minuciosamente confeccionada, entre o pensamento de falar e o dizer quase pronto, entre a idade de desejar e a idade de desistir.

Nunca é demasiado tarde para se perder no reflexo borrado.