segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Pra ela tudo tinha que ser do seu jeito. Simplesmente não abria mão dos seus detalhes. Quando colava as fotos na parede, tinha todo o cuidado ao enrolar as fitas, pois elas não podiam ficar dobradas. Quando colava as fotos na parede, passava por cima a manga do moletom pra lustrar e, ao mesmo tempo, fixá-las bem. Tudo lhe era sempre uma grande distração. Escutava música e lia ao mesmo tempo, porque se fizesse uma coisa de cada vez sentia que algo estava faltando. Tudo era duplo, tudo era feito rápido demais. E depois sobrava aquela sensação angustiante que não vinha de lugar nenhum e não ia pra lugar algum. Pintava e sorria e ouvia o som das próprias batidas do seu coração. E quando bebia, quando bebia o chão parecia ser feito de algodão. Sorria e chorava e odiava e amava. Escrevia poesia e logo em seguida rasgava a folha porque pensava que poesia era uma coisa muito boba. Quando sabia que algo ruim iria acontecer, mordia o lábio até ele sangrar. E então, quando ele sangrava, a coisa ruim logo acontecia. Cantava músicas que não conhecia, dava bom dia para pessoas que não a olhavam, desenhava mal, mas os seus desenhos tinham algum segredo que eu jamais pude descobrir.
Guardava tudo em caixas, rotuladas e lacradas. Muitas vezes eu via algo queimando da janela da minha casa, mas só um tempo depois descobri que o que ela queimava eram os seus pensamentos.
- Como assim você queima seus pensamentos, menina da capa de chuva amarela?
- Eu tiro eles de mim e os queimo, simples.
Mas eu não conseguia. Eu nunca consegui queimar meus pensamentos. Pra ela era tão fácil, era como caminhar. E pra mim tudo era difícil, lento, torturante. Não sabia imitá-la e eu queria muito! Às quatro da manhã sentia um cheiro de pizza e era ela, na casa ao lado, assando uma, duas, três ou quatro pizzas para si. E ela nunca engordava. E ela nunca ficava velha. E ela nunca crescia. Maldita, maldita, ela nunca engordava. Ela podia comer elefantes que não engordaria.
Como eu faço pra parar de escrever sobre ela? Não se pode pôr ponto final quando se trata dela. Não se pode escrever fim nem colocar reticências. Não se pode parar. E ela me domina e me humilha apenas com o som da sua própria voz. Não se pode... parar.