segunda-feira, 17 de março de 2014

Nota mental

A gente sempre precisa ir e já não importa muito bem pra que lugar nem com quem nem se os sapatos estão gastos ou a mente cansada. A gente sempre precisa ir, mesmo quando o coração dá sinais de falência. A caminhada faz o sangue circular. E, circulando melhor, o corpo pesa menos. Acho que a gente sempre precisar ir de olhos fechados, mas nunca com o peito fechado. A gente sempre precisa ir sem querer saber do amanhã. Nem do hoje. Não importa o saber. Importa o viver.

sábado, 15 de março de 2014

A partir de hoje a minha insônia se chama Sônia. É tão real e presente que ela precisa ter nome próprio.

Quantos vocês na ausência

Engraçado que lembro de você, mas não lembro de mim. Lembro da música e do vinho, das estrelas e da textura do chão, mas não lembro da minha imagem lá, não lembro de sentir o meu corpo. Penso se fui eu quem me matou. E como posso recordar disso se desfaleci em mim mesma.


Hoje o céu azul não é a chuva que eu previ, ontem. Ela cai também na inexistência. Como a minha imagem que eu não guardei. 

quinta-feira, 13 de março de 2014

Embora eu te diga que não

Ontem eu te ouvir bater no vidro. Pedia incessantemente para entrar. Era tão ávida a sua vontade de invadir a casa que meus olhos mal se fecharam durante a noite. Mesmo cansada, não sucumbi. Permaneci imóvel na cama, os olhos se diluindo em dor. Mas era só isso que doía. Meu coração descansou em paz, mesmo que a mente não tenha se desligado. Hoje já não sei se será assim. Tampouco saberei sobre o amanhã. Entretanto, tenho me mantido ilesa. Aguento os seus esmurros na janela. Janela esta que é tão frágil que pode se romper devido à sua força. 
Tentei abafar os ruídos com música clássica, mas a sinfonia que se formou foi tão caótica que desliguei o radinho de pilhas que meu avô deu. Nos intervalos dos seus esmurros, ouvi o silêncio. E os gritos dos bêbados pelas ruas. E o vizinho que nunca vi colocando a chave na fechadura da porta.

Ontem eu te ouvir bater no vidro e fingi que não era comigo.
Vai Chover. Vai chover.
Olho para a cortina balançando e penso.
Espio por ela e vejo o céu rosa.
Sei que vai chover mesmo assim.
Meus olhos estão esbugalhados de sono.
Minha garganta começa a doer.
Casa suja. Geladeira vazia.
Estômago vazio. Peito cheio.
Aumento o volume da música. Fecho os olhos.
Não consigo dançar. Meu corpo pesa.
Abro os olhos. Uma pomba pousa a dois metros.
Penso quando vou conseguir dormir.
Talvez amanhã. Hoje vou sair.
E beber vinho. E tentar ser para fora.
Amanhã eu penso o que vou querer ser.
Amanhã eu penso se a insônia vai deixar de ser.
Vento de outono. Chuva de verão.
Caem os primeiros pingos.
Coloco as botas e pego um guarda-chuva.
Caminho para a tempestade.


Sou uma contínua explosão interna. Agora sou grande, mas continuo pequena. Sou grande por dentro. Minha idade, entretanto, cospe o tempo em mim, dilui-o rapidamente. Corri ao invés de caminhar. Quero tudo pra ontem.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Às vezes paro na sinaleira e esqueço de atravessar



Foi em algum dia de algum mês. Ele se abaixava lentamente para pegar um balde de água e, num movimento brusco, tornava a deixar o corpo ereto. João, Zé, Mário, sabe-se lá que nome ele tem. Se tem nome. Em seguida, olhava para os lados como se estivesse sendo vigiado, como se quisesse dizer que aquele balde de água não lhe pertencia. Como se estivesse na sua frente por coincidência. Quando tinha certeza de que ninguém estava cuidando, mergulhava as mãos, em formato de concha, na água recolhida pelo balde. Num movimento rápido, jogava-a na face encardida. A água escorria pelo nariz, pelo queixo, pelo peito nu, também encardido, e era absorvida na cintura, quando chegava na cueca preta. 
A dois metros, sentado na grama e com um pedaço de mato na boca, um outro homem o olhava seriamente. Cada concha d`água que escorria pela face do homem era acompanhada de uma frase do outro que observava. Ali ficou uma sujeira, o outro parecia dizer, lave melhor atrás da orelha, enxague melhor os cabelos. Novamente o movimento de se abaixar, pegar água, levantar, olhar para os lados, mergulhar as mãos, então lavar as axilas, encher novamente o balde, mergulhar a escova de dentes na água, esfregar as sardas já puídas nos dentes amarelados. Por último, os pés foram lavados seguidos dos mesmos comentários daquele que o observava. Não trocou a cueca, colocou um jeans velho e uma camiseta igualmente gasta e sentou-se ao lado do outro, ainda olhando para os lados. Ficaram ali, os dois, lado a lado, ora encarando a água ora encarado o céu. Logo anoiteceria. 
Entendi tudo. Entendi a água sendo capturada pelo balde. Entendi a ânsia pelo asseio. Entendi as dicas de limpeza do outro homem. Entendi a demora em um banho adaptado. Só não entendi por que diabos o homem olhava para os lados, ansioso, para constatar que ninguém o estava observando. Afinal, ele estava no córrego, no meio de uma avenida, às 18h de uma sexta-feira.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Outra vez perco a vez

Outra vez eu vou te ver e te levar naquele lugar que não existe. Aquele lugar onde os aviões nunca param de pousar e o céu é de um azul aveludado e a grama quase brilha de tão limpa. Outra vez vou te mostrar os caminhos que não levam a lugar nenhum e sentir o estômago queimando por estar gelado. Outra vez eu vou beber café em excesso só para me sentir um pouco bêbada, um pouco mais dentro dessa realidade que é deles, nunca minha. Outra vez eu vou sentir a calma saindo pelos olhos, os olhos consumidos pela incerteza de nunca mais haver certeza para garantir. Outra vez o presente vira passado e o passado vira futuro. Outra vez eu junto os cacos e costuro uma colcha de ilusões. Outra vez me escondo debaixo dessa coberta tecida, acrescento mais vida e danço na escuridão. Outra vez perco a fala, mas não a rima. Outra vez cubro a ferida e finjo que só tem ida esse movimento de vice-versa.
e se não for você talvez ainda seja eu. 

que seja eu. 

que não seja ela. que não seja dela esse pranto que eu enfeitei.

que seja.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Notes from the couch XXVII

Aqui é você. E já não somos nós nesse reflexo das luzes da cidade na minha janela que separa os dois mundos.

Aqui é você e a sua vontade de penetrar pelo vidro fino. E já não é ela quem me sorri, quem me fala, quem me olha.

Olho para dentro e não consigo voltar os olhos para fora. Estou sempre caindo mais fundo. Não tenho em que me agarrar. Olho para dentro e vejo a escuridão. Fecho os olhos e caio, caio cada vez mais para dentro do vazio. Ele me esquenta. É como um útero. E já não é mais você porque você não pode sentir essas ondas de calor. Porque você nunca poderá saber como é se sentir dentro de mim.

Aqui é mar. Outras vezes é falta de ar. Mas não me afogo nem me sufoco. Nem mato ela. Tem olhos tão gentis e nariz fino e mãos macias. É porque já não é mais ela quem sorri e pede licença quando bate na porta. Não me importa a cor dos olhos. Não me importa se esse olhar já não tem mais cor. Não me importa se chove no meio do sol. Tampouco me importa se um dia irei me importar.

Aqui é e não é.