Se ela procurasse bem, veria que permaneciam todos os ruídos ensurdecedores. Se procurasse bem, acharia todas as necessidades de gritar, mas nunca as vontades. Encontraria os cacos e depois os começos, exatamente nesta ordem. Encontraria umas histórias amassadas, fracassadas, borradas, ainda com gosto de batom velho. Encontraria o caos, mas nunca os motivos. Encontraria as ausências, mas nunca a duração. Encontraria as chuvas, mas nunca a capa amarela ou o guarda-chuva vermelho.
Era só fechar os olhos e rodar no meio do quarto, com a camisola vermelha, ao som de música erudita. E rodando, deixava estável dentro de si tudo aquilo que sempre se misturava com a rigidez dos dias. Tudo aquilo que resplandecia quando a luz era apagada. E os sonhos continuavam o que a realidade havia começado. E os sonhos davam vida àquilo que a realidade, forçadamente, tentava apagar.
Talvez se não procurasse, também encontraria o silêncio no meio de cada fala ininterrupta, no meio de cada delírio contido. Encontraria as dúvidas no meio da certeza. Encontraria a vontade de sair correndo mesmo quando o corpo se retrai por causa do cansaço. Encontraria o erro na despedida, na partida, no encontro, no desencontro, no transtorno. Encontraria as rimas no branco, no engano. E veria que a lucidez só caminha embriagada.
"Entre cem histórias mortas, ainda assim permanecem uma ou duas histórias vivas." Sartre