segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Dois parágrafos de rotina
Finge que nada cai dos seus dedos pela manhã e vai de encontro ao chão, como se fosse pesado demais para levitar. Mata o dia com dezenas de xícaras de café ao mesmo tempo em que destrói o fígado, o sono da noite, os pensamentos do dia. Vê o calor nascendo e morrendo pela janela do trabalho, a mesa suja, os papéis voando quando o vento ainda tenta existir, não sabendo em que lugar entra, não sabendo por que morre. Sempre perde a caneta, o marcador de texto amarelo e os arquivos do word que não salva. Suja a camiseta branca bem passada que depois vira camiseta manchada e depois pano de chão. Não sabe se a tontura é pela noite mal dormida ou pelo excesso do café. A cada meia hora um cigarro. Os olhos são vermelhos, a pele pálida e as pernas cansadas. Insiste em caminhar no final do dia. Dois quilômetros, três, completa quatro quando o sol vira um borrão laranja e depois é engolido por umas árvores altas demais no final da montanha. Em casa a televisão ligada no mesmo volume, a avó doente no quarto dos fundos, o gato branco que não para de soltar pelos, o pai que reclama da grama que não é cortada há três semanas, a mãe que pede para ele parar de reclamar, o irmão chorando porque precisa de leite, atenção, que alguém lhe conte alguma história sobre leões, dragões e um guarda-roupa que leva a outro mundo.
A água correndo pelo corpo magro às 9 da noite. Gelada. Os pingos grossos eriçando os pelos das costas e da barriga. Uma música inventada na mente para abafar as vozes que se misturam do lado de fora do banheiro. É segunda-feira. A toalha está molhada. Alguém a usou. Nunca lembram que a azul é sua. Ou fingem não lembrar. Vai de cueca para o quarto. O pai olha de cara feia, não encarando-o de frente. A mãe nem o vê, não pergunta como foi o dia, não está interessada se saiu a lista dos aprovados na faculdade. Quatro anos tentando, sabendo que nunca vai conseguir, que não quer conseguir. Horas demais desperdiçadas em dias que não saem de suspiros, que apenas nascem e morrem, tão lentamente como se fossem obrigados a existir. Deita na cama desarrumada, encara o teto amarelado. Dói fechar os olhos. Fuma outro cigarro. As cinzas sujam o lençol listrado, caem no carpete marrom, algumas voam pelo quarto, dançando uma canção que não é tocada. As portas do armário estão abertas. Revelam roupas que são dobradas pela mãe e desarrumadas por ele pela manhã, quando tenta em vão escolher alguma camiseta que não faça com que pareça tão magro. Novamente esquece de jantar. Talvez beba uma xícara de sopa pela manhã, trocando as refeições. Talvez levante da cama atrasado, saindo de outro pesadelo, correndo para chegar no horário e fingir que nada cai dos seus dedos pela manhã e vai de encontro ao chão, como se fosse pesado demais para levitar.
"Todas as acumulações da vida que nos consomem - relógios, corpos, consciência, sapatos, seios - filhos paridos - seu Comunismo - 'paranóia' nos hospitais." Ginsberg
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

domingo, 12 de fevereiro de 2012
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
-Sabia que eu tenho um?
-Ele voa?
-Sim, mas tem que fechar os olhos e imaginar.
-Onde ele tá?
-No meu quarto.
-Um dia tu me leva lá?
-Levo, sim, mas não pode contar pra ninguém, tá?
-Tá. É o nosso segredo.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

As botas estavam furadas. A capa de chuva e o guarda-chuva talvez nem mais existissem ou podiam estar perdidos no fundo do armário antigo. Há quanto tempo não recorria a eles? As personagens iam morrendo, uma a uma, à medida que esquecia de escrever os finais das histórias. Não percebia que uma história só é uma história porque existe um fim. Era por isso que parara de escrever sobre si mesma. Era por isso que a primeira pessoa do singular estava sendo deixada de lado, quase reprimida, quase assassinada. Talvez assim pudesse voltar ao oco que antes se destacava. Não, não admitiria que, com a capa de chuva amarela, havia criado uma menina. Não, não admitiria que, com o guarda-chuva vermelho, havia criado uma mulher. Ambas se perderam quando julgou que os finais eram demasiado importantes para que pudesse matar uma das duas. Ou as duas. E por não matá-las deixou que vivessem, que sobrevivessem, que fugissem, que se apagassem lentamente no reflexo do espelho, que fossem esquecidas no arquivo do word.
Saiu sem proteção na chuva. Os olhos viram um céu mais cinza do que o de costume. Os pés descalços sentiram a primeira poça que estava perto da porta de entrada. A água não era suja, não era fria. Os pingos, grossos e quase gelados, fizeram com que seus lábios se inclinassem. Um meio sorriso surgiu. Nua, no meio do temporal de uma manhã de segunda, de repente se esvaziou, ficou oca, ficou muda. E soube que não havia mais bota de chuva no armário nem qualquer outro adereço com cor que a fizesse viver as suas próprias personagens. E soube que, enquanto não terminasse os contos, enquanto abandonasse as histórias pela metade, seria cheia também de fantasmas, de mulheres, homens e meninas que imploravam um final de vida, mesmo que inventado.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Sem bom dia pela manhã. Apenas a vizinha falando alto, ao lado, o cachorro da outra vizinha latindo, o despertador tocando sem parar, longe demais da mão para que ele pudesse apertar soneca.
-E que calor, ein!
Era a mãe falando sozinha na frente de casa, saindo para o trabalho. Sempre reclamando. Ora era o frio ora era o calor, mas sempre havia algo de que se queixar. Lembrou que havia esquecido o guarda-chuva no trabalho. Pelo menos não estava chovendo, pensou. Talvez o primeiro sinal de que o dia seria bom. Ou quente. Preferia chuva, mas ultimamente até o ar continuava quente quando o temporal se armava. As primeiras gotas caíam como se tivessem saído de um chuveiro programado para banhos de inverno. Levantou lentamente da cama, primeiro os pés tocando o chão, depois os olhos se abrindo, em seguida descolou os lábios que, mesmo secos, estavam grudados. Passou pelo espelho do banheiro e viu a barba por fazer. Que se dane ela, disse com a voz rouca.
Não, hoje não, murmurou. Caminhou duas quadras, o sol das 8 da manhã já fazendo o couro cabeludo arder, sentou em uma cadeira de metal, um pé enferrujado. Bar do Bolacha era o nome da placa. Pediu uma cerveja e depois outra. As duas estavam mornas e ficavam cada vez mais mornas conforme o termômetro subia. O mendigo que vivia no albergue passou pela rua. Junto com ele passou também a vontade do homem de ser daquele jeito, andando sem ter para onde ir, falando sem ter o que falar, dormindo sem ter que acordar. O estômago roncou. Sentiu o líquido subindo, fechou os olhos, se inclinou para o lado e vomitou. Apenas espuma. O suor já escorria pela testa. Pagou as duas cervejas e voltou para casa. Não pensou o que falaria para a mãe quando ela chegasse. Não pensou o que o chefe lhe falaria antes de demiti-lo. Maldito verão, praguejou.