quarta-feira, 31 de agosto de 2011
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Melodia do último domingo de agosto

É que, apesar de tudo, sei que não iremos morar aqui. E descubro isso toda vez que fico algum tempo com você, nesse seu mundo grande e seletivo demais. Acontece que o meu all star branco não vai aguentar a poluição e você já está cansado das mesmas ruas e do metrô e de tudo por aí. Mas a verdade, a verdade escrita e pensada, é que quando estamos do seu lado eu tenho consciência que não posso voltar, que o meu mundo já está pequeno e que chove muito por aqui. Lembra que em todas as manhãs, quando acordo no seu quarto, pergunto se está chovendo e você responde sorrindo que são apenas as fábricas e os aviões? A minha mente está adaptada aos mesmos sons. E não quero que tudo o mais, irônico e rotineiro, seja normal para ela.
Não estou definindo onde vamos morar, apesar de ter escolhido, mentalmente, o conteúdo da geladeira e o papel de parede do nosso quarto. Quero te dizer que preciso, independentemente do lugar, de noites como aquela em que você preparou a janta enquanto eu assistia Law&Order. E depois nós comemos lasanha, azeitona e cubos de queijo colonial com azeite de oliva, à luz de velas, afogando a noite no vinho enjoativo da pizzaria que fica na esquina da sua casa. E preciso sempre de finais de tarde os que você me encontra na saída do trabalho, compramos folhados, cervejas e caminhamos até em casa, enquanto o dia, lentamente, e com todos os tons de rosa, se transforma em noite.
Vivemos em dois mundos completamente diferentes. E tentamos, no pouco tempo em que ficamos juntos, fazer com que eles sejam um só. Mas sabemos que estas duas cidades sempre vão impedir. E enquanto os quatro anos não se passam, eu assisto de perto o abismo que separa as nossas vidas individuais, não tentando te explicar o que você não entende da minha própria confusão de menina e da dor de mulher. E você fica com a sua tristeza, que é grande o suficiente para me fazer chorar. Tentamos não pensar que o ideal, o ideal mesmo, seria darmos as mãos, virar as costas e fugir. Vivemos a mercê disso, engolindo a tentação de desistência, ignorando a saudade que assume mil faces. Confiamos na sorte que nunca nos prometeu fidelidade, mas está ali, ao lado, junto ao fio da minha realidade que quase se parte quando o vento de inverno sopra.
domingo, 28 de agosto de 2011

Um gole de whisky. Tudo bem, ela disse, noites de sexta terminam bem. Não é sempre, claro. Geralmente, quando não espera nada. Mas nos últimos meses tem sido difícil mandar as expectativas embora, cruzar os braços com serenidade no final da semana turbulenta de trabalho, minimizar os sentimentos que se transformam em insônia. O álcool queima a garganta, aquece o estômago, mas não afasta os pensamentos. Pelo contrário, faz tudo ficar em carne viva, ardendo, não podendo sair do lugar.
Não queria voltar para as quatro paredes que guardavam um silêncio cortante. Não queria voltar para 48 horas de um final de semana torturante, sôfrego, cheio de agulhas que não bordam sonhos na cabeceira da cama. Pegou uma muda de roupa, escova de dente, não guardou as roupas jogadas no chão, da semana inteira, e saiu para a noite que abrigava a neblina e algumas luzes fracas. Tem sido assim: deletar dois dias, tentar afogar a incompreensão em 24 latas de cerveja, guardar as palavras na agenda amarela, suspirar com calma e acalmar a agitação que mora no peito.
Fugir. Verbo transitivo direto. Desejo. Necessidade. Quase realidade.
Domingos chuvosos de agosto é o que a acalma. Não há ninguém nas ruas, apenas uns carros que passam sem pressa, de vez em quando, e os bancos molhados da praça. É quando retorna para casa. Espera o ônibus e sente algumas gotas grossas caírem no seu cabelo sujo. Pensa que precisa tomar banho, ler, terminar de assistir o filme e dar banho no gato. Olha para o céu, suspira, e diz que o final de semana já se foi, que não vai ter tempo de fazer tudo, que não quer fazer tudo. Entra no ônibus e a chuva começa a cair com força. Não há trovões.
Exatamente uma semana sem ficar em casa mais do que o suficiente para dormir. Por alguns minutos, enquanto ônibus desliza no asfalto, tudo fica bem e ela só escuta a música que toca no mp3 e olha para as ruas cinzas da cidade que tenta ser colorida. Tudo se perde. Ela se perde. Sabe que a cidade não vai durar muito dentro de si. Lembra que tem seis horas até o final do domingo. Aí começa tudo de novo, a mesma mecanização, o mesmo tempo atrás do computador, a apatia sendo quebrada pelo sol, a irritação sumindo com a chuva.
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
domingo, 21 de agosto de 2011

O rosto estava quente, as mãos com perfume de vinho barato e doce demais. Era para acompanhar a loucura, compreende? Colocando açúcar em tudo, quem sabe a loucura deixaria de ser meia e passasse a ser completa. Podia se disfarçar de lucidez. Não haveria problema algum. O peito, doído pelo coração que batia rápido, por causa do café e do vinho e da cerveja e de tudo, o peito aguentava ainda. E aguentaria muito tempo, essa que é a verdade. E desejava que a chuva nunca parasse de cair. Porque ela ainda salvava e era um “lugar” de encontro.
Não havia ironia, mentira ou exagero nas palavras. Não havia tristeza. Havia apenas os lábios que não conseguiam assumir outra forma, a não ser a de sorriso delicado. E havia os olhos também, lustros, calmos e sentimentais. Poderia haver possibilidades de noites de sexta, e um ônibus que não voltasse balançando, a mão equilibrando o copo de cerveja, o outro copo sujo de vinho na bolsa, manchando novamente a touca branca do panda.
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
domingo, 14 de agosto de 2011
A casa de madeira caindo. Primeiro os pregos foram ficando enferrujados, os cupins tomaram conta das portas e eu sentia medo de dormir na cama de madeira. Depois vieram os estalos do teto que se intensificavam na madrugada. E em um domingo chuvoso, sem que ninguém esperasse, a primeira parede caiu. Não tinha guarda-chuva vermelho nem capa de chuva amarela. A minha camisola branca se encharcou e meu óculos foi ficando embaçado e molhado, fazendo com que eu não visse nada. Nem queria ver. Todos os papéis escritos, em cima da escrivaninha, viraram apenas um borrão. Não tive tempo de fazer a mala, colocar as botas de chuva ou guardar os livros em uma sacola plástica. Apenas fiquei sentada, assistindo os pingos se misturarem com o café na xícara recém comprada, enquanto todas as paredes foram de encontro ao chão, junto com o teto. Não fiquei triste. Não pedi ajuda. Não fui embora. É sempre mais fácil recomeçar do que aguentar a dor.
"Seria sem sentido chorar, então chorei enquanto a chuva caía porque estava tão sozinho que o melhor a ser feito era qualquer coisa sem sentido." Abreu
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Saiu da cadeira estofada, a face tão pálida que indicava um desmaio, e viu os sentimentos transbordarem do copo de cerveja. Sem motivos. E a tentativa de encontrar explicações inexistentes forçou o corpo. E novamente os carros passando na avenida e a música ruim saindo alta demais das caixas de som. Os olhos sedentos, atentos, confusos, em busca de uma presença que não era inventada, escrita ou pintada. Parecia sexta. O vento forte fazia os fios do cabelo dançarem no ar e pousarem desarrumados no ombro cansado.
O extremo da loucura é aceitar a loucura. E acordar mais cedo para dobrar todos os pares de meia na gaveta da cômoda. E aceitar o nervosismo, lidando com ele com uma calma absurda. E sentir cheiro de mar durante o sono. E beijar os próprios lábios e cantar o silêncio e guardar os rascunhos e sorrir a tristeza. Mas não há tristeza. Há apenas a perfeição que se desdobra e caminha com passos leves para não acordar o monstro que dorme abaixo de si.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Não construo sonhos, amor. Sim, as cores vivem em mim. E emudecem e dançam e esfolam o meu peito. São tantas que me sinto pesada. A realidade é tão superior que sorri para a ilusão e já não sei mais qual é qual. Desisti dos quebra-cabeças. Tão poucas as desistências e as vírgulas e os tombos que quando machuco as mãos penso que é culpa da minha pele que é branca demais.
Te mostro os recortes das revistas rasgadas que eu guardei nas caixinhas embaixo da cama. E sinto o drama das fotos desbotadas. E respiro o pó que talvez faça algo sumir. Invento os fatos e luto para deletar os sentimentos. Finjo que água é ar. Você vê que as palavras voltaram? Só não sei como te escrever que o meu céu é mais bonito. E mais puro.
terça-feira, 2 de agosto de 2011

A menina passa na rua com o guarda-chuva vermelho inclinado, cobrindo metade do seu corpo miúdo. Luta com o vento e não percebe o tempo, a temperatura negativa, os gatos escondidos no porão da casa de madeira e a calçada escorregadia. Caminha apressada e, entretanto, suas botas de borracha não reproduzem qualquer som. Tocam de leve na rua, como se fossem criadas pela minha mente, como se não passassem de uma ilusão gélida. Posso ver, pelo guarda-chuva que a cobre, as bochechas vermelhas de frio e os lábios roxos, quase rachados, que se encontram com o vento e se abrem de leve, para que os dois fios de cabelo, grudados nele, encontrem outro lugar para pousar.
Meus olhos ficam úmidos. Não por causa da menina ou da neve, que só quem está no alto sabe que é neve. A água é pelo repertório rasgado do dia. Os braços longos da terça se agarraram na segunda, e logo os dois dias se uníram. 48 horas de sentimentalismo, irritação, tristeza doce e páginas em branco implorando para serem puras para sempre. O guarda-chuva vermelho da garota é entortado pelo vento e o seu cabelo com nós, quase escuro, é o que faz o cenário ter vida. Não é cenário inventado. Descubro que a menina ainda existe. Se não em mim, nesse mundo complexo o bastante para assumir uma simplicidade que me deixa nervosa. Ela some no final da rua, lá onde os carros brigam para atravessar a avenida, lá onde o asfalto fala todo o dia a mesma frase e onde as árvores, arrancadas pela raiz, não choram nem questionam o fim.
Abro a janela. A madeira estala e as pontas dos meus dedos, quase congelados, ficam vermelhas. O vento entra na sala onde o ar quente artificial me dava possibilidades de fazer as palavras surgirem na tela. Meus cabelos fazem o mesmo movimento que os fios escuros da garota. Minha face se transforma em duas manchas vermelhas, uma de cada lado, e os lábios ficam roxos. A imitação perfeita do corpo que passou apressado há poucos minutos. E quando olho, não há sombra dela, tampouco existem pegadas. A sala fica cheia de frio, de ironia e daquela que há meses não vinha me ver. Respiro os dois graus e a loucura. Não me olho no espelho, mas sei que os meus pés estão em botas de borracha e que meu guarda-chuva de estrutura frágil vai se quebrar assim que eu der dois passos leves, quase sem tocar o chão, na rua onde vou desaparecer.