
O pai continuava mandando dinheiro, achava que ela ainda estava estudando moda. E o apartamento cada vez mais sujo, a geladeira completamente vazia, exceto por duas garrafas de vodca e uma de vinho barato. Me disse isso, sem querer, quando eu perguntei como tinha passado as últimas semanas. Não nos víamos mais na faculdade há pelo menos um ano. E, enquanto eu quase ligava, todo dia, implorando presença, ela ia se perdendo cada vez mais dentro de si. Quando puxou a manga da blusa vermelha até o cotovelo, percebi que havia feito mais uma tatuagem. Uma fechadura, ela disse, quando viu meu olhar embaraçado tentando identificar a imagem. E logo completou ‘é tão comum’, antes que eu deixasse escapar qualquer comentário egocêntrico e superior. Não naquela noite, não com aquela vontade de abraçá-la e dizer que parasse com aquilo, que deixasse o apartamento sujo, a geladeira vazia, e se escondesse debaixo das minhas cobertas quentes que há tanto tempo não sentiam a textura da sua pele.
Estava pintando quadros, me disse. Eu pedi para ir até o seu apartamento ver, saber como andava aquele mundo confuso e limitado que não havia mais encontrado espaço para os meus sapatos pretos sem cadarço. E eu sabia que não valia a pena continuar tentando. E lá estava ela afundada na própria eloquência de uma garotinha de 15 anos, mesmo que tivesse 24, e lá estava eu com a minha pseudo-vida de adulto, mesmo que por dentro toda a dor dos 17 se impunha.
Levantou do banco, não se despediu, e tentou caminhar, um pé na frente do outro, em uma linha reta que ia se tranformando em zigue-zague quanto mais se afastava e se perdia na escuridão.
Estava pintando quadros, me disse. Eu pedi para ir até o seu apartamento ver, saber como andava aquele mundo confuso e limitado que não havia mais encontrado espaço para os meus sapatos pretos sem cadarço. E eu sabia que não valia a pena continuar tentando. E lá estava ela afundada na própria eloquência de uma garotinha de 15 anos, mesmo que tivesse 24, e lá estava eu com a minha pseudo-vida de adulto, mesmo que por dentro toda a dor dos 17 se impunha.
Levantou do banco, não se despediu, e tentou caminhar, um pé na frente do outro, em uma linha reta que ia se tranformando em zigue-zague quanto mais se afastava e se perdia na escuridão.
"O que restava agora era uma parte daquele todo e nada mais, alguma coisa que fora deixada à aventura, algo de surpreendente que não se assemelhava a nada." Dostoiévski