terça-feira, 28 de março de 2017

Pra não dizer que eu esqueci

Fico lembrando dela: uma quase mulher, mas nunca uma mulher por inteira. Fico lembrando dela e de todas aquelas lágrimas que rolavam sem pausa durante as manhãs de sábado. (Quanto sofrimento em um final de semana.) Fico lembrando dela e de como se sentia perdida. Era tão pequena, tão frágil, tão totalmente Tristessa que nunca conseguia admitir pra si mesma o personagem que havia criado. 

Sentia vontade de morrer nas sextas, mas bebia. Bebia umas cinco cervejas naquele bar, no meio daquela avenida. Bebia tanto a ponto de confundir a sinaleira com a lua. E esperava que ele passasse - ele, que nunca passou; ele, que nunca imaginou a agonia da menina; ele, uma definição de platonismo no meio de um caos costurado. 

Sentia vontade de nascer nas segundas, mas continuava morrendo. E todo final de tarde era a confirmação de mais uma noite de insônia. E toda insônia era uma negação dos fatos. Chorava pra dormir porque pensava que só o cansaço emocional a faria dormir. Só nunca imaginou que choraria por anos. E que o pranto que cessava às 6h da manhã não fazia cessar a ânsia de se ver vazia de dor. 

E doía. Ah, como doía aquele sentimento platônico. Era tão real no seu platonismo, tão letalmente constante que por vezes quis quebrar o espelho com os próprios punhos só pra que outra dor pudesse ser mais forte e distrair a anterior. Mas nunca quebrou. Nunca fez coisa alguma a não ser sofrer pra dentro e escrever pra fora - sempre textos em metáforas. 

Não sei quando Tristessa morreu. Demorou tanto pra que a dor acalmasse, pra que o platônico sucumbisse e desse espaço pro real. Demorou tanto para que parasse de esperar na esquina, no bar, na cama. Demorou. E mesmo hoje ainda não se sabe se Tristessa morreu completamente - ou se continua vivendo nos lampejos de sonhos com um passado que nunca existiu.

"Estás aí, Senhor estrela? – Suave é o chuviscar que perturba minha calma." - Kerouac, Tristessa